Viver a vida no limite
Vesti-me e pensei:
Podia chover. Hoje, não me importava (da última vez também não). Estou com tanta vontade de ir correr como de me enfiar debaixo de um camião TIR em andamento.
Ainda ensaiei uma pequena dança da chuva, bamboleei as ancas na esperança de haver alguma ligação direta entre o grau de movimento do meu rabo e o grau de saturação das nuvens. Com pouca esperança lá me fiz à estrada.
1ª fase
Hum! Que maravilha: o vento na cara, esta sensação boa de se estar a fazer o que se tem de fazer. A sério? Porque é que adiei tanto isto?
2ª fase
Espera. O que é isto? Isto é cansaço, não é? Já me tinha esquecido do pequeno detalhe que as pessoas cansam-se quando correm. Principalmente quando se fica 6 meses sem fazer nenhum…
3ª fase
Ainda só corri 500m e já estou com uma respiração asmática. Parece que me vou afogar. Senhores! Ainda bem que não está ninguém na rua, caso contrário já tinham chamado o 112.
4ª fase
0,5 km
Whaaaat?! Espera aí, eu ouvi bem?! Eu ainda só corri 500m?! Não pode… O GPS deve estar a falhar…
5ª fase
Acho que vou desfalecer. Sinto-me como se me tivessem enfiado a cabeça dentro de água 10 minutos e tivessem acabado de me permitir vir à superfície. Onde é que está o oxigénio?!
6ª fase
1 km
Ia jurar que por esta altura, na melhor das hipóteses, já tinha corrido 10 km. Está certo…
7ª fase
OMG! Uma subida. Alerta subida. Alerta subida. Alerta subida. Sinto-me a ficar com tremeliques.
8ª fase
Espera aí, eu comi antes antes de vir. E se com este esforço todo ainda tenho uma indigestão? Porque é que eu me meto nestas coisas?
9ª fase
Acho que tenho a visão turva. Só por acaso, quando é que chego a casa?
10ª fase
Dói-me por baixo da língua. E os ouvidos. Tanto. Isto deve ser um problema qualquer manhoso.
11ª fase
Cheguei! Cheguei! Cheguei! Deve ser isto que se sente quando se acaba uma maratona. Com a particularidade que não tenho os meus amigos todos a olharem-me com um certo deslumbramento e prestes a abraçarem-me. Tenho o meu cão a olhar-me com um ar perplexo. Já é qualquer coisa.
E é isto. Amanhã há mais. Gosto de sofrer. De sentir que aquele pode ser o último minuto antes de me esbardalhar inconsciente numa valeta (nada dramática). É só naquela de não chegar ao Verão e o meu rabo ocupar 10m2 de praia cada vez que me sento.